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DA COMPETIÇÃO À COOPERAÇÃO:
UMA EVOLUÇÃO INDISPENSÁVEL A NOSSA SOBREVIVÊNCIA E PAZ
Por Pierre Weil

1. A COMPETIÇÃO:

Em todos os domínios da nossa existência ocidental, assistimos a infinitos jogos de poder, resultados de uma competição desenfreada: cascas de banana, passar a perna, olho gordo, pular carniça, jogo de cotovelo, briga de galo são entre outras, expressões populares da competição ou de comportamentos competitivos.

Na cultura brasileira que é uma cultura de paz, a competição está se instalando trazida pela perspectiva industrial euro-centrada.

No Brasil ainda subsiste o espírito do mutirão, a solidariedade da favela e o amor do abraço. O espirito da cooperação ainda está muito presente no Brasil; mas está sendo destruído por uma educação altamente competitiva.

Vamos examinar quais os inconvenientes e vantagens da competição e cooperação.

No plano individual se sabe que a competição gera a úlcera duodenal e o enfarto do miocárdio, doenças dos executivos. É verdade também que as competições esportivas aumentam a musculatura do corpo e podem contribuir para a saúde. Mas são elas indispensáveis para isto já que se observa pessoas fazendo cooper sem nenhum espírito de competição?

No plano emocional, observou-se que os jogos competitivos incentivam o orgulho de vencer, o egoísmo de ser o único a se sobrepor, e que gera o ciúme e a inveja dos vencidos. Na escola, na vida empresarial no serviço militar e entre irmãos em famílias que cultivam comparações fraternas, isto é um fato. A única vantagem emocional é o prazer efêmero da vitória, prazer aliás insaciável, que vicia as pessoas em repetir competições até o fim da vida.

No plano mental, a competição gera idéias de dominar, de autocracia, sem contar o fato de criatividade se colocar a serviço das idéias de trapaças, de espionagem, de enganar e dissimular. É verdade que a competição escolar e universitária estimula a aprendizagem. Mas será que o preço pago compensa os sistemas educacionais competitivos? Sabe-se que o sentimento de vencer a si mesmo é também um grande estímulo sem necessitar a competição. A competição no plano da mente, provém, de uma percepção ilusória de separação sujeito objeto, "eu" e o "outro"; pelo sentimento de superioridade ela reforça ainda mais esta miragem, esta fantasia da separatividade.

Na área da sociedade, a competição cria um ambiente espiritual bastante pesado e denso.

No plano da economia, o espírito de competição virou o lema do neo-capitalismo que reza por mercados competitivos e empresas competitivas. Esta mentalidade é responsável indireta e subconsciente do hiperconsumo que gera a destruição da vida no planeta. A competição econômica, através do desemprego está criando gerações de excluídos vivendo numa miséria intolerável. A competição entre mercados nacionais é um dos fatores gerando bem conhecidos de guerras, sem falar da desonestidade da espionagem econômica.

No plano da vida sócio-política a competição entre partidos políticos e ideologias religiosas é um dos grandes fatores geradores de conflitos violentos e de guerras civis ou internacionais. Estas competições ideológicas tendem a estabelecer ditaduras e oligarquias. Certas ditaduras como a nazista, contribuiu pelo aumento planejado da população germânica, para ter mais combatentes para a guerra.

Os partidários deste tipo de competição afirmam que as sociedades competitivas e os mercados competitivos são os que sobreviveram e que a competição entre empresas aumenta a população e melhora a qualidade dos produtores e serviços.

No plano cultural dos valores éticos, a competição gera uma cultura de trapaça, jogos de poder, esperteza, desonestidade, fraude e corrupção. A fantasia da separatividade se torna um consenso; todo mundo acredita em separatividade e separação entre disciplinas científicas. Os partidários da competição afirmam que ela estimula o progresso cultural e científico. Mas será ela o único estímulo existente para este fim?

Enfim na área do meio ambiente, a competição é responsável pelo suicídio coletivo da humanidade e pela destruição definitiva das espécies vivas, resultado de grande parte do processo que descrevemos mais acima. Os partidários da competição faz parte da ordem natural: cadeia alimentar em que todos os seres vivos se consomem entre si, competição dos machos pela posse da fêmea, observações teológicas de Konao Lorenz do aumento da agressividade e violência quando a densidade populacional aumenta. mas será que a natureza do homem não é justamente de transcender a sua própria constituição instintiva animal, cultivando os altos valores construtivos entre os quais a cooperação?

É o que vamos examinar a seguir:

2. COOPERAÇÃO

Vimos o quanto a competição é nociva e destrutiva em todas as áreas e níveis da atividade humana. O número e intensidade dos seus inconvenientes é muito maior que as suas vantagens, as quais se limitam ao fomento da produtividade e qualidade de bens de consumo e serviços e a aprendizagem na educação. Vimos que o preço é alto e que há outros meios de conseguir estes resultados.

Vamos agora verificar que no caso da cooperação, só existem vantagens em todas as áreas e níveis considerados anteriormente para a competição.

Na área individual, a cooperação gera um estado físico de saúde estimulando um funcionamento glandular harmonioso pois gera sentimentos e emoções altamente construtivas tais como o amor, a compaixão, a alegria e a equanimidade; as gera ou resulta delas. No plano da mente, a cooperação estimula a dissolução da dualidade que se opõe o "eu" e o "outro". Na cooperação há momentos em que se constata que só há um espírito o qual é integrado pelos espíritos individuais em aparência separados.

Vamos agora passar a considerar a área da sociedade, começando pela economia.

No nível internacional a criação de empresas multinacionais tendem a reforçar os blocos econômicos e transnacionais, tornando as guerras uma ameaça a sua própria existência. Mesmo a competição entre os blocos econômicos já começam a serem substituídos por esforços de cooperação. O termo parceria virou até moda nos meios empresariais. Começam a aparecer iniciativas ainda inconcebíveis há uma década atrás; carroceria de uma empresa equipada com motor de automóvel de outra empresa.

No plano das microempresas, cooperativas criam união provocada pela cooperação facilitando o escoamento dos produtos.

Existem até redes de empresários cujo objetivo é, através da cooperação evitar a destruição da vida no planeta e preservar o meio ambiente.

Afim de evitar o hiperconsumismo, surgiu nos USA, um movimento espontâneo de simplicidade voluntária; milhões de norte-americanos reduzem voluntariamente o seu consumo de roupas, móveis de madeira, sapatos, gasolina etc.

Tanto nas empresas como nas escolas, está se desenvolvendo jogos cooperativos. Estes jogos permitem experiência como a cooperação.

Eis por exemplo o que Guillermo Brown, no seu livro "jogos Cooperativos" observou quanto as reações dos mesmos jogadores, no mesmo jogo, apresentado sucessivamente de modo competitivo e cooperativo.

FORMA COMPETITIVA FORMA COOPERATIVA
individualista
grupal
participação limitada todos participam
desordem organização
ganhador-perdedor todos ganham
desunião união
trapaça-esperteza honestidade
frustrante reconfortante
limitante amplo
repúdio acolhida-confiança
conformismo desafio coletivo
"o jogo sou eu" "o jogo somos nós"

No Brasil há uma prática que faz parte dos seus hábitos de Cultura de Paz: é o mutirão. Mutirão é uma palavra mágica; todo mundo se precipita para cooperar nas colheitas entre fazendas. A grande educadora Helena Antipoff, usava o mutirão da colheita do milho, educando os professores rurais, através da festa do milho, para desenvolver o espírito de cooperação.

Vamos agora examinar a cooperação na Natureza.

O espírito de mutirão existe até em animais; basta lembrar as migrações de pássaros, a construção dos ninhos, os formigueiros e as colméias de abelhas.

Estas últimas são até citadas muitas vezes como exemplos de sociedade cooperativas.

A cooperação é realmente programada, faz parte da informática da natureza. pode se dizer o mesmo da comunicação musical entre animais que é também um modo de cooperação.

Podemos até nos perguntar até que ponto a cadeia alimentar evocada como exemplo de competição, não seria, visto de um plano de preservação do todo, como uma forma de cooperação (forçada...) para a preservação deste? Assunto para reflexões e controvérsia.

Convém ainda assinalar, no plano da cooperação para a preservação da vida, o respeito que tem os animais que nunca atacam um outro animal indefeso da sua espécie: há o caso do lobo que mesmo numa luta pela fêmea, nunca ataca um lobo ferido e caído no chão.

É sabido que a melhor forma de se defender contra o ataque de cachorros agressivos é deitar no chão.

Mostramos as vantagens e inconvenientes da competição. Quanto a cooperação, tudo indica que ela só tem vantagens.

Deixamos ao leitor o julgamento final...

Pierre Weil,
francês, Doutor em Psicologia pela Universidade de Paris; Educador; Fundador da UNIPAZ, Universidade Internacional da Paz, presidiu a Fundação Cidade da Paz desde 1987, onde trabalhou pela paz no mundo em cooperação com a Unesco, até a sua passagem, em outubro de 2008; autor de mais de cinquenta livros, entre eles “A ARTE DE VIVER EM PAZ” publicado em 1993 pela Unesco e de uma centena de artigos em várias línguas. Em 2000, recebeu o Prêmio UNESCO de Educação para a Paz em Paris. Foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2003.

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